Radicalmente contra nossa cultura do “bom pai” (o pai presente) e da ”boa mãe” (dedicada e acolhedora), Hillman resgata o mito platônico do Daimon (antes de nascermos, nossa alma escolhe um propósito para cumprirmos na terra). Algumas das reflexões do autor:
1 - E quem são nossos pais? É uma grande estagnação para a sociedade a crença de que a maneira como somos é por causa de como nossos pais eram. A infância seria melhor compreendida em termos da imagem com a qual nascemos; e essa imagem entra em contato com o ambiente em que nos encontramos . E a pergunta mais adequada neste processo (individuação) seria: “como o que vem com você no mundo encontrará um lugar nesse mundo? E o que vi te ajudar a crescer para este Daimon? As birras e as obsessões estranhas da criança devem ser vistas nesse contexto, em vez de tentar "corrigi-las" na terapia.Assim, nossas crianças não são simplesmente colocadas em nossas mãos. Elas nascem com uma personalidade e capacidades para serem desenvolvidas.
2 – Somos vítimas de nossos pais? A falácia parental nos distancia do Daimon e nos joga sempre de volta “ao Pai” ou à Mãe”, mesmo que estejam mortos. Ficamos aprisionados emocionalmente a estas figuras. Somos sempre vitimas do que ocorreu no passado: a criança abandonada. Psiciologicamente, passamos a vida tentando nos curar dos traumas do passado. Mas mais do que vitimas das nossas relações com nossos pais, somos vítimas desta ideologia, que dá tanto poder a esta relação. Por inegável que seja a influência dos pais em nossas vidas, assim também o são as influências dos programas de televisão que assistimos, dos nossos colegas nas escolas, das nossas relações no trabalho, relações amorosas e até mesmo a comida que ingerimos. Discutimos muito pouco estes outros aspectos.
3 - Apocalipse: esse é o nosso principal mito e nossas crianças vivem com estas imagens. Como essas imagens devem agir em suas psiques? Esta condição é muito além de qualquer pessoa e, para muitos, a única esperança é uma redenção divina.
4 – Resistência ao mito platônico: Teorias psicológicas - D. W. Winnicott, Melanie Klein, René Spitz, John Bowby, Anna Freud – que focam neste determinismo da relação mãe-filhos - surgiram em momentos históricos de guerra (pouco antes ou depois da eclosão da II Guerra Mundial). E é muito comum “o retiro” no Mundo da Mãe nesses momentos de perigo. O mito platônico nos desafia a reconhecer nossa individualidade ao nascer, sem o peso da paternalidade como suporte arquetípico. Mas esta “Mãe” também tem um Daimon, e este não é você.